sexta-feira, 22 de julho de 2011

RELATO DE ACIDENTE COM CARBURETO

Àqueles que,como eu, são fãs da luz de acetileno é sempre bom ficarmos atentos à maneira de transportar nosso carbureto.
Veremos abaixo  um relato de acidente causado por explosão do gás acumulado na mochila de um experiente espeleólogo. Este relato é mais ou menos antigo mas totalmente atual.
Em outro post trataremos do acondicionamento correto deste material. 
Boa leitura e atenção à sua segurança e à de seus companheiros.


RELATO DE ACIDENTE

Na sexta-feira (15/08/03) à noite, Cristina, Paulo Roberto, Bernardo, Julio
e eu, saímos de Brasília em mais uma expedição do Espéleo Grupo de Brasília
- EGB com destino à Gruta Cabeceira D'Água, no município de Nova Roma - GO.
Montamos acampamento próximo à boca da caverna e no dia seguinte fomos
explorá-la e dar seqüência ao mapeamento.

Após uma pesada caminhada de mais de duas horas com passagens de
quebra-corpo e vários trechos de natação, sendo alguns com cerca de 15 cm de
ar para respirar, chegamos ao último ponto mapeado (base 120), distante
quase 3.000m da entrada. Nesse ponto, mais uma vez o rio se fechava num
sifão e íamos mapear uma galeria superior para tentar chegar ao rio
novamente. Estávamos todos nos preparando para começar a topografia e, após
uma rápida olhada no conduto superior voltei para pegar a pasta de topo que
estava na minha mochila estanque de PVC. Abri a mochila e quando fui pegar o
material, fui surpreendido por uma explosão. Lembro do clarão em volta de
todo o meu rosto e de um rápido reflexo que me fez jogar o capacete no chão
e molhar desesperadamente o rosto com água do rio, o que me dava um grande
alívio. A dor e o ardor eram terríveis, sentia como se todo o rosto
estivesse em chamas.De imediato o Júlio pegou em seu kit de primeiros
socorros uma pomada própria para queimaduras.
Enquanto isso meu pai (Paulo) tirou o carbureto da mochila e arrumou-a para
que eu pudesse carregá-la de volta. Ele pôde constatar que os problemas
foram a mochila que estava bastante úmida por dentro e o pote plástico no
qual o carbureto estava acondicionado cuja tampa se afrouxado. Como a
mochila era estanque não permitia que o acetileno escapasse e eu havia por
muito carregado a "bomba" nas costas.A explosão foi desencadeada pelo meu
sistema de iluminação que estava aceso.

O acidente ocorreu às 14 horas e em menos de cinco minutos já havíamos
iniciado a marcha para sair da caverna. Eu, desesperado pela forte dor, e
meu pai fizemos a caminhada em menos de uma hora e o restante da equipe
chegou cerca de meia hora depois. Jogamos as barracas em cima da camionete e
fomos para o hospital de Iaciara distante uns 80 km do acampamento. Lá foi
realizada uma primeira limpeza para tirar a fuligem que cobria todo o rosto
. Chegamos em Brasília por volta das 21 horas onde fui novamente atendido na
emergência. Tive queimaduras de primeiro e segundo graus em parte da mão
esquerda e em 60-70% da face, incluindo cílios e sobrancelhas.

Depois de ouvir algumas recomendações resolvi ir para Goiânia e fazer o
tratamento num hospital especializado. Nesse hospital passei por uma
debridagem, uma pequena cirurgia de raspagem da pele queimada e desde então
venho seguindo o tratamento indicado pelos médicos. Hoje, dez dias após o
acidente e oito dias após a debridagem, a pele está quase totalmente
cicatrizada porém ainda sensível. A cor da pele ainda está um pouco mais
clara que o normal mas, com todos os cuidados, não devo ficar com cicatrizes
evidentes. Para que a pele nova não fique manchada devo passar os próximos
dois meses bem longe da luz e da claridade e de tudo que emita raios
ultravioleta como lâmpadas fluorescentes, monitor de computador, TV, sol,
etc. Durante o dia tenho que usar uma máscara de tecido branco para me
proteger da luz.

Finalmente, gostaria de dizer que estou bem e fazer um alerta a todos os
colegas espeleólogos com relação à carga reserva de carbureto. Ela deve ser
acondicionada em um recepiente inquebrável e à prova d'água, NÃO CONFIEM EM
POTES PLÁSTICOS REAPROVEITADOS OU COMPRADOS EM SUPERMERCADOS, MESMO QUE
POSSUAM TAMPA DE ROSCA E LHES PAREÇAM SEGUROS, a menos que sejam
especialmente confeccionados para esse fim, pois costumam se abrir com os
impactos e não têm boa vedação para água. Mochilas estanque são muito úteis
e práticas, mas NÃO CONFIEM TOTALMENTE NA VEDAÇÃO destas pois é comum entrar
um pouco de água por furinhos quase invisíveis ou mesmo pela boca. Também
deve-se evitar carregar numa mesma mochila estanque o cantil e a carga
reserva de carbureto. O recomendado é que se utilize, mesmo em grutas secas,
a já consagrada "banana" feita com câmara de ar de automóveis. Ela custa
barato e tem funcionado bem. Outra boa opção são os potes plásticos
realmente inquebráveis e impermeáveis conhecidos no Brasil por "bidon". Eles
existem em diversos tamanhos, o problema é que custam caro e é muito difícil
achá-los em nosso país.

Portanto meus amigos, a mensagem que gostaria de deixar é que num ambiente
difícil e complicado como são as cavernas, não podemos banalizar nada e
devemos estar sempre atentos a todos os detalhes. Eu estava preparado para
vários tipos de acidentes, mas jamais esperaria que meu bom e velho amigo
carbureto me aprontasse uma dessas. Sei que o meu acidente não foi o único
desse tipo ocorrido em 2003 e espero que seja o último.

Torço para que não seja necessário mas gostaria de lembrar o que deve ser
feito em caso de queimaduras. Deve-se imediatamente resfriar a área atingida
com água fria ou gelada até que a dor diminua, isso pode levar um bom

ou rio em casos de extrema urgência pois essas águas são contaminadas e
podem provocar infecções.Nem todo tipo de pomada para queimaduras é indicado
para os primeiros socorros pois pode dificultar a limpeza da pele e até
mesmo fazer mal ao ferido dependendo de sua fórmula. Outro problema é a
assepsia na ferida e na aplicação da pomada, o que, geralmente, é muito ruim
em cavernas. Portanto, na dúvida não use pomadas! Uma boa coisa que pode ser
feita durante a remoção do ferido até o hospital é aplicação de compressas
de gaze embebidas em soro fisiológico para hidratar a pele.

Brasília, 26 de agosto de 2003.

Gabriel Chianelli C. Seraphim